sexta-feira, 2 de abril de 2010

O QUE É UM PERDEDOR

Existem perdedores desde que o mundo é percebido como tal pelo limitadíssimo intelecto humano. Nos primórdios, o homem era devorado pelos animais, advindo daí o velho brocado "um dia da caça, outro do caçador". Na sociedade romana, as lutas que travava pela sobrivência foram reproduzidas nas arenas e, nessa época, competir pela sobrevivência já não se resumia a obter na natureza o que esta pudesse dar, pois a guerra passou a integrar o ideário civilizatório, obrigando os homens à competição pela vida. No final da idade média européia, por volta do século X d.C., após longo período de readaptação ao ambiente agrícola e pastoril, no qual o ser humano foi reduzido à condição de servo, um novo sistema político e econômico começa a ser gestado, culminando com o surgimento do Estado Nacional e da figura do patrão capitalista.

Assim, as pessoas, seres reconhecidamente sociais, são involuntariamente colocadas na condição de competidoras. Se competem de forma involuntária, poder-se-ía considerá-las perderdoras "a priori", porque perderam a luta contra quem as subjugou e as obrigou à competição. No entanto, tal especulação é objeto de inúmeras polêmicas, haja vista não se vislumbrar alternativa à sociedade constituída por força e obra da vontade individual, a despeito do que desejava o filósofo Nietzsche. Na canção "Medo de Amar", Beto Guedes expressa a idéia do amor universal entre todos os homens, quando afirma:

"O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever: recusar o poder."

Se todos recusassem o poder, não existiriam perdedores "a priori". Contudo, não avancemos aqui pelas pedregosas, espinhosas e belas trilhas da utopia e da loucura, pois, enquanto as decisões de alguns seres humanos condicionarem a capacidade de escolha dos outros, fica absolutamente fora de questão incluir o perdedor "a priori" entre as espécies existentes de perdedores, pois, se não houvesse uma força externa que impulsionasse o indivíduo à competição, é certo que a idéia de perdedor, tal como queremos discuti-la, sequer existiria. Por isso, mantenhamos em suspenso tal discussão.

Reducionismos à parte, só é perdedor quem compete. Quem não compete não pode, por ofensa à própria definição, ser perdedor. O perdedor adquire tal condição sempre "em relação a". Estar "em relação a" denuncia uma ampliação do conceito de perdedor, pois, nos dias atuais, o critério comparativo não se resume à luta pela sobrevivência biológica ou à melhoria das condições profissionais ou financeiras, mas também às pelejas que se travam em relação a aspectos intangíveis da existência. Contudo, este é assunto para outra conversa.

Sendo assim, o normal é ser perdedor, na medida em que ninguém vence todas as competições a que é obrigado pelo simples fato de viver e conviver. Apesar de não visar a presente discussão a promover a autoajuda, o aspecto subjetivo do tema é relevante, pois exige a análise das formas pelas quais ganhador e perdedor percebem sua atuação e sua situação. Por outro lado, ganhar ou perder assume também contornos objetivos, na medida em que as regras do jogo sejam conhecidas por todos, competidores ou não, como ocorre com os eventos esportivos.

É importante apontar que, sob o aspecto subjetivo, há uma pré-competição que se instaura na esfera psicológica do competidor. Do arsenal conquistado na pré-competição interna dependem os resultados da competição externa (interindividual). Nesta medida, pode-se dizer que um perdedor é uma construção executada a partir do seu próprio conteúdo ideológico. Por outro lado, há que se admitir que tal conteúdo ideológico não é exclusivamente determinado pelo perdedor, na medida em que alguns dos mecanismos que o levam a tomar decisões e a executar ações são frutos de condicionamentos externos, contra os quais, muitas vezes, não possui antídotos.

Passemos à exposição das características de algumas espécieis de perdedores. 


PRETENSO COMPETIDOR

O pretenso competidor é a pessoa que nasce e/ou se desenvolve com tantos déficits, que, inobstante os esforços seus ou alheios, sequer chega à condição de verdadeiro competidor, porque nenhuma atitude intencional sua é dirigida à competição. O pretenso competidor, não é e não pode ser, portanto, um perdedor, já que não tem consciência da existência da competição, tal como é posta. Em nossa sociedade, costuma-se rotular como perdedores os alienados mentais. Como nestes casos não podem ser aplicados os critérios usuais de análise, tal conclusão torna-se inválida. Entretanto, a pergunta que se impõe é: quem não é vencedor nem perdedor enquadra-se em que categoria quanto à competição? É assunto para outra discussão.

COMPETIDOR DESLEIXADO

Começa aqui a ser discutida a relação que o perdedor mantém consigo mesmo. O competidor desleixado é o que tem plena consciência das regras do jogo, mas que não se coloca em posição de verdadeiramente competir. Um bom exemplo é o candidato que participa de concurso público e que se questiona a todo instante se há necessidade de estudar ou, quando estuda, vive repetindo para si mesmo que é muito difícil, que jamais aprenderá.

COMPETIDOR PRETENSIOSO

O competidor pretensioso é aquele que tem convicção de que é naturalmente melhor que os outros. Prepara-se para a competição, mas é incapaz de aprender com os próprios erros. Também desdenha das capacidades dos demais competidores, subestimando-os.

COMPETIDOR DESTREINADO

Um competidor destreinado é o que possui todas as qualidades para vencer, mas se lança antecipadamente à competição, sabendo que tem deficiências. Normalmente perde, mas vence ocasionalmente. Tais vitórias eventuais podem levá-lo a se tornar pretensioso ou desleixado.

EX-VENCEDOR

O ex-vencedor é uma espécie mista que pode ter, ao mesmo tempo, as características de algumas ou das três espécies anteriores (desleixo, pretensão, destreino), em maior ou menor grau. O ex-vencedor sabe competir, porém não se dá conta de que as exigências da competição de que participa se tornaram mais rígidas. Outra atitude relevante do ex-vencedor é a de dormir sobre os troféus, pois se sente absolutamente confortável com o que já conquistou, recusando-se a novas competições.

FALSO VENCEDOR

O falso vencedor utiliza-se de trapaça. Vence, utilizando qualquer meio lícito ou ilícito que esteja à sua disposição. Sob o ponto de vista objetivo, é um vencedor de fato. Contudo, quando seus ardis são descobertos, torna-se irascível ou cai em depressão, pois acaba sendo percebido pelo grupo social como um verdadeiro perdedor. 

QUASE VENCEDOR

O quase vencedor é a espécie de perdedor que reúne todas as qualidades do vencedor, mas não vence. Nada lhe falta, mas seus resultados são decepcionantes. É o caso do 61º colocado no concurso de 60 vagas, do 4º colocado na final olímpica, da dona de casa que sai com o cabo da última panela da promoção. As pessoas que pertencem a esta espécie de perdedor são queridas pelo grupo e todos torcem por elas. Os perdedores desta espécie possuem um certo charme e dedicamos nosso Blog a eles.